Fonte: Conjur
Autor: Maurício Cardoso
Tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional 16/2019, de autoria do senador Plínio Valério (PSDB-AM), para alterar o artigo 101 da Constituição Federal. A PEC dispõe que os ministros do STF tenham mandato de oito anos, não permitida sua recondução ao cargo. Além do flagrante casuísmo de que se reveste, a proposta, se aprovada, fará com que a composição da mais alta corte de Justiça, pelos próximos 20 anos funcione como o Conselho de Segurança da ONU: parte dos membros será permanente e parte será temporária.
Isto porque a PEC não mexe – e nem poderia – no regime dos mandatos dos atuais integrantes da corte. E também porque, dos 11 ministros em exercício, três têm permanência garantida na corte até, pelo menos, 2042 (Dias Toffoli, Alexandre de Moares e Flávio Dino), dois ficam até 2047 (André Mendonça e Nunes Marques) e um (Cristiano Zanin) vai até 2050. Os outros cinco ministros encerram seu período entre 2028 e 2033.
Assim, as cadeiras atualmente ocupadas pelos ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes, os próximos a atingirem a idade da aposentadoria compulsória, teriam três ocupantes sucessivamente antes que os ministros Nunes Marques, André Mendonça e Cristiano Zanin cedam seus postos a um sucessor. Já as cadeiras de Edson Fachin e Roberto Barroso teriam dois ocupantes neste mesmo período.
A proposta altera um sistema que vigora desde os tempos do Império, quando a corte se denominava Superior Tribunal de Justiça e, até prova em contrário, tem funcionado bem. Neste sistema, o que limita o mandato dos ministros da corte e da magistratura em geral, é a data de nascimento. A idade mínima para ingressar na corte é 35 anos e a idade máxima para nela permanecer é 75 anos. Na magistratura não existe idade mínima e a máxima também é de 75 anos. Assim, o mandato de um ministro teria no máximo 40 anos. Isso nunca aconteceu e apenas três ministros ao longo da história passaram dos 30 anos no cargo: Hermínio do Espírito Santo, que ocupou o cargo por 30 anos e um mês no início do período republicano, além dos mais recentes Marco Aurélio e Celso de Mello, ambos superando os 31 anos.
Ao contrário da alta rotatividade pretendida pela PEC 16, a atual composição sinaliza uma grande estabilidade tanto de cadeiras quanto de jurisprudência, o que reduzirá em muito a capacidade de indicação do atual e dos futuros presidentes. Com o atual sistema nos próximos 18 anos, só cinco ministros chegarão ao fim do mandato abrindo vaga para um novo integrante da corte. Se aprovada a PEC 16, neste mesmo período, este número dobrará: serão dez nomeações para as mesmas cinco vagas.
Senadores são o parâmetro
Perguntado sobre a razão de ter escolhido oito anos para definir o tamanho do mandato dos membros da corte, o autor da PEC 16/2019, senador Plinio Valério, disse que usou como parâmetro os oito anos de mandato dos senadores. A apropriação é absolutamente inconveniente, pois trata-se de cargos de natureza completamente distintas: o senador ocupa um cargo político; o ministro um cargo técnico-jurídico. O senador tem de ter votos para ser eleito; o ministro é escolhido de acordo com os requisitos constitucionais de notório saber jurídico e reputação ilibada. O senador atua como representante do povo; o ministro decide em conformidade com a Constituição e as leis. Finalmente, o político exerce o poder em nome da maioria enquanto o juiz por vezes é contramajoritário e atua em nome da lei.
De qualquer forma, a modulação do mandato dos juízes da Suprema Corte é fator decisivo para que sua implantação possa produzir bons resultados. E nisso a história pode ajudar. A começar pela atual composição, cuja média de duração dos mandatos é de 24 anos. Tempo demais, segundo os críticos do atual sistema. A média, completamente fora da média histórica, que é de oito anos, é consequência de outro casuísmo: a elevação da idade da aposentadoria compulsória dos ministros que passou de 70 para 75 anos por força de emenda constitucional, a chamada PEC da Bengala, aprovada em 2015 pelo Congresso Naciona
Mas é uma exceção. Se tomarmos como régua o período iniciado em 1988 com a promulgação da atual Constituição, a média dos mandatos é de 16 anos. Já se for considerado o período mais longo, a partir da entrada em vigor de outra Constituição democrática até os dias atuais, a de 1946, a média é de 12 anos. Estes prazos são os mais citados pelos interessados na mudança. E parecem melhor do que os oito anos propostos pela PEC 16 e que é justamente a média dos mandatos dos ministros do período da ditadura instalada após o golpe de 1º de abril de 1964.
Outra proposta de emenda à Constituição, a PEC 77/2019, do senador Ângelo Coronel (PSD-BA), também fixa mandato de oito anos para os membros da Suprema Corte, mas com direito à recondução ao cargo. Além disso, propõe que a idade mínima para ser indicado ao Supremo seja fixada em 55 anos. Esta média, por si só, já limitaria a duração dos mandatos.
As propostas de mudanças no Supremo não agradam aos integrantes da corte: “A pergunta essencial, todavia, continua a não ser formulada: após vivenciarmos uma tentativa de golpe de Estado, por que os pensamentos supostamente reformistas se dirigem apenas ao Supremo?”, escreveu o ministro Gilmar Mendes no ex-Twitter.