Por: Jordana Macarthy
Fonte: Conjur
A Lei Complementar nº 214/2025, instituidora do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), da Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto Seletivo (IS), além de criar o Comitê Gestor do IBS, prevê, em seu artigo 46, a possibilidade de apresentação de apuração assistida do saldo do IBS e CBS do período de apuração, a ser calculado com base nos documentos fiscais eletrônicos, na extinção dos débitos destes tributos e nas demais informações prestadas pelo contribuinte, ou a ele relativas.
Nessa modalidade, o contribuinte optante do regime regular poderá conferir a apuração apresentada pelo Fisco, realizar os ajustes que julgar necessários e, então, proceder com o pagamento do saldo devido, caso haja. No entanto, alguns pontos revelados nos parágrafos do artigo em questão são capazes de nos antecipar especiais inquietações.
De início, destaca-se que, em havendo a apresentação por parte do Fisco, as incorreções identificadas pelo contribuinte somente poderão ser alteradas mediante ajustes na própria apuração assistida. Isto é, não haverá a possibilidade de apurar “do zero” o período em questão, confrontando-se os débitos e créditos do respectivo tributo até resultar no saldo devido ou a recuperar. Na sequência, o § 3º do artigo estabelece que, confirmada a apuração assistida pelo contribuinte, ou nela realizando-se ajustes, considera-se confessada dívida e constituído o crédito tributário.
Como se sabe, a constituição do crédito tributário ocorre mediante lançamento, que pode ser de ofício, por declaração ou por homologação. Essa classificação tem, dentre seus critérios determinantes, o índice de colaboração do administrado, uma vez que, no lançamento de ofício, o contribuinte não participa. No lançamento por declaração, colaboram ambas as partes e, no lançamento por homologação, quase todo trabalho é do contribuinte, que apura e recolhe o tributo.
Atualmente, o lançamento por homologação representa o maior volume de arrecadação aos entes tributantes, sendo o caso do ICMS, IR, CSLL, IPI, PIS, Cofins (entre outros), uma vez que exercida a formatação completa pelo contribuinte, cabendo ao Fisco apenas homologar. Nesse sentido, essa modalidade de lançamento pode ser percebida na apuração assistida a partir da ocorrência da extinção parcial (ou até total) do crédito tributário via compensação.
No entanto, a dúvida referente à apuração assistida de IBS e CBS reside nas duas outras modalidades de lançamento: de ofício e por declaração. É que essa nova sistemática prevista na Lei Complementar nº 214/2025 prevê características de ambas as modalidades em seu dispositivo, em maior escala.
No caput do artigo 46 e nos três primeiros parágrafos, é possível verificar a aplicação da modalidade de lançamento por declaração, uma vez que o Fisco apresentará apuração assistida a partir de informações fornecidas pelo contribuinte constantes em seu banco de dados e estas poderão ser ajustadas.
Em seu parágrafo § 4º, entretanto, é estabelecido que, na inércia do contribuinte sobre a apuração assistida apresentada, presume-se correto o saldo apurado e considera-se constituído o crédito tributário. Ou seja, o próprio Fisco, a partir das informações que possui — recolhidas de documentos fiscais eletrônicos, informações relativas à extinção dos débitos do IBS e CBS e demais informações prestadas pelo contribuinte ou a ele relativas — apresenta uma apuração e a constitui definitivamente, caso não haja manifestação do contribuinte dentro do prazo previsto.
Quanto à classificação de lançamento, Paulo de Barros Carvalho destaca que, sendo lançamento válido aquele que, como tal, foi recebido pelo sistema, nada acrescentam reflexões sobre as diligências que antecederam a formação do ato, razão pela qual independe o quanto houve participação do contribuinte.
Porém, o Código Tributário Nacional adota a separação para manifestar as singularidades procedimentais, a perceber do artigo 149, que delimita as hipóteses de lançamento de ofício. A título exemplificativo, o inciso II prevê sua aplicação quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária. Note-se, aqui, a semelhança quanto à previsão da apuração assistida.
Tal diferenciação nos importa, também, porque, em se tratando de lançamento por declaração, o artigo 147 do Código Tributário Nacional estabelece que a retificação da declaração por iniciativa do próprio declarante, quando vise a reduzir ou a excluir tributo, será admissível mediante comprovação do erro em que se funde, e antes de notificado o lançamento. No entanto, para os tributos lançados de ofício, o parágrafo único do artigo 149 prevê que a revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.
O § 5º do artigo 46 da lei complementar estabelece que a confissão de dívida e a apuração assistida são instrumentos hábeis e suficientes para a exigência dos valores do IBS e CBS incidentes sobre as operações nelas consignadas. No entanto, em havendo discordância, resta uma lacuna legislativa — ao menos até então — quanto à possibilidade de discussão administrativa.
Com efeito, verifica-se que a apuração assistida possui grandes chances de ser um importante mecanismo na otimização de tempo no cumprimento das obrigações acessórias. Contudo, frente às modalidades de lançamento adotadas pelo Código Tributário Nacional que se valem da diferenciação procedimental do ato (ou procedimento) em si, destaca-se que a aparente configuração híbrida de modalidades de lançamento nessa novidade trazida pela reforma tributária é capaz de potencializar o contencioso administrativo e judicial.