Fonte: Jota
Autores: Douglas Mota; Júlia Katzer Tadros Mathiazzi
A Constituição Federal de 1988 (CF/88) prevê, em seu artigo 156, inciso I, a competência municipal para instituição do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU)[1].
Já em nível infraconstitucional, o IPTU encontra tratamento nos artigos 32, 33 e 34 do Código Tributário Nacional (CTN)[2] que, por sua vez, reitera a competência municipal sobre o imposto.
Assim, sabe-se que cabe a cada município instituir o IPTU por meio da competente lei municipal[3]. A título exemplificativo, destaca-se que o município de São Paulo instituiu a cobrança do IPTU por meio da Lei nº 6.989, de 29 de dezembro de 1966 (Lei nº 6.989/66)[4].
Como funciona o IPTU
O fato gerador do IPTU é a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel localizado em zona urbana municipal, consubstanciando-se, mediante ficção jurídica, no primeiro dia do ano civil (1º de janeiro).
A definição da zona urbana se dá em lei municipal. Entretanto, de acordo com o CTN, para que determinado local possa ser entendido como tal, deverá conter pelo menos dois dos seguintes melhoramentos, construídos ou mantidos pelo Poder Público[5]: (i) meio-fio ou calçamento, com canalização de águas pluviais; (ii) abastecimento de água; (iii) sistema de esgotos sanitários; (iv) rede de iluminação pública; (v) escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de três quilômetros do imóvel considerado.
Resumidamente, o fato gerador do IPTU é norteado por dois elementos: espacial e temporal. O primeiro é o território urbano do município, e o segundo, a cobrança anual.
O contribuinte do IPTU é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título[6].
A base de cálculo do IPTU, ao seu turno, é o valor venal do imóvel[7]. Apesar de o CTN não definir “valor venal”, é possível entendê-lo, de forma simplificada, como o valor que determinado bem alcançaria para compra e venda à vista, segundo as condições normais do mercado.
A apuração do valor venal é realizada de acordo com normas e métodos estabelecidos por cada município, tomando em conta as características de toda a área urbana, em função de diversos elementos como área, localização, padrão de construção e antiguidade[8].
O resultado desse procedimento é, geralmente, a edição de uma Planta Genérica de Valores (PGV), que constitui um parâmetro para efeito de consideração do adequado valor venal, por representar os reais elementos do mercado imobiliário[9].
No município de São Paulo, por exemplo, a apuração desse montante ocorre de acordo com os dados do imóvel constantes do cadastro na Secretaria da Fazenda[10], na forma estabelecida pela Lei nº 10.235, de 16 de dezembro de 1986 (Lei nº 10.235/86). Alguns dos fatores considerados para a determinação do valor venal, na capital paulista, são: a localização do imóvel, a área do terreno, a área construída e a idade da construção.
A título de demonstração da amplitude que a expressão permite, em São Paulo, o art. 15 da Lei nº 10.235/86 prevê que o valor venal de uma construção tem como fator inicial seu enquadramento em um dos “Tipos e Padrões de Construção”, isto é, o tipo de acabamento do imóvel[11].
Uma vez apurado o valor venal, o cálculo do IPTU é realizado pela aplicação das alíquotas definidas em lei municipal, que costumam variar para imóveis construídos e não construídos, bem como sua respectiva utilização como residência.
O pagamento do IPTU poderá ser efetuado à vista ou parcelado ao longo do ano, a depender da legislação municipal, como é o caso do município de São Paulo, que autoriza o pagamento do imposto em até dez prestações, desde que cada parcela seja maior do que R$ 50,00[16].
Mudanças introduzidas pela Reforma Tributária
Em 20 de dezembro de 2023, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional nº 132, (EC 132), principalmente no que concerne à tributação sobre o consumo – a tão discutida Reforma Tributária.
Apesar de a Reforma Tributária tratar, principalmente, da tributação sobre o consumo, a EC 132 também introduziu mudanças para outros tributos.
No que diz respeito ao IPTU, a EC 132 acrescentou o inciso III ao §1º, do art. 156 da CF/88, cujo conteúdo veicula o seguinte:
“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
I – propriedade predial e territorial urbana;
(…)
(…)
III – ter sua base de cálculo atualizada pelo Poder Executivo, conforme critérios estabelecidos em lei municipal”
Com isso, os prefeitos passam a ter autorização para, mediante decreto, atualizar a base de cálculo do IPTU. Vale ressaltar que essa mudança pode impactar posicionamentos anteriores do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF)[17]. É o caso da Súmula nº 160 do STJ, que determina que o aumento da base de cálculo do IPTU (valor venal) depende da elaboração de lei municipal.
Distorções quanto à base de cálculo do IPTU
Uma das dificuldades diz respeito à base de cálculo do IPTU, ou seja, ao valor venal dos imóveis. Como mencionado anteriormente, a PGV é o suporte para se estabelecer o referido montante. Entretanto, a existência da PGV não é uma obrigação legal imposta aos municípios. Assim, em algumas localidades, ela pode estar desatualizada ou sequer existir.
A ausência da atualização constante da PGV impede que o valor venal dos imóveis se adeque às mudanças ocorridas nos municípios no decorrer do tempo. No Rio de Janeiro, por exemplo, somente em 2017, com a promulgação da Lei nº 6.250 de 28 de setembro de 2017, é que houve a atualização da PGV, que se mantinha a mesma desde 1997. Os valores venais então utilizados para cálculo do IPTU dos imóveis residenciais, representavam, em média, 1/6 do valor real de mercado do imóvel[18].
Outro problema é a dificuldade de se elaborar uma PGV que seja integralmente fiel à realidade, dada a multiplicidade de coeficientes para uma avaliação adequada.
O IPTU e a progressividade
Com o advento da Emenda Constitucional nº 29/2000, foram incluídos os incisos I e II ao § 1º do art. 156 da CF/88[19]:
“Art. 156…
(…)
I – ser progressivo em razão do valor do imóvel; e
II – ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel”.
Os novos incisos contemplam a possibilidade de utilização das técnicas de progressividade e da diferenciação de alíquotas, como instrumentos de fiscalidade e extrafiscalidade, respectivamente, sendo esta voltada ao cumprimento do princípio da função social da propriedade[20].
A esse respeito, é importante esclarecer que a diferenciação de alíquotas de cunho extrafiscal, na forma do art. 156, § 1º, II, não se confunde com a progressividade do IPTU no tempo, de que trata o art. 182, § 4º, II[21] da CF/88.
Segundo o art. 182, §4º, da CF/88, é facultado ao município, mediante lei específica, exigir o adequado aproveitamento do imóvel pelo seu proprietário. Caso o indivíduo não cumpra com a exigência do Poder Público municipal, este poderá impor diversas formas de sanções a ele, para que imediatamente cumpra a função social da propriedade[22]. Uma delas é a adoção da chamada progressividade do IPTU no tempo.
A Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), que regulamenta o art. 182 da CF/88, estabelece que, em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos, o município procederá à aplicação do IPTU de forma progressiva no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos[23].
Consideremos um imóvel ocioso cujo valor venal seja de R$ 100.000,00 e cuja alíquota incidente seja de 1%. O valor devido a título de IPTU seria, portanto, de R$ 1.000,00. Entretanto, caso o proprietário seja notificado e não cumpra a função social do imóvel, a alíquota incidente no ano subsequente sofrerá uma progressão e equivalerá a 2%. Assim:
IPTU regular:
1% de R$ 100.000,00 = R$ 1.000,00
IPTU progressivo no 1º ano após notificação:
2% de R$ 100.000,00 = R$ 2.000,00
IPTU progressivo no 2º ano após notificação:
3% de R$ 100.000,00 = R$ 3.000,00
O IPTU progressivo no tempo deve ainda observar as seguintes limitações: a alíquota máxima é de 15% e só poderá ser aplicada, como mencionado anteriormente, pelo prazo de cinco anos.
Findo o prazo sem o cumprimento da obrigação, o município manterá, até a devida regularização, a cobrança pela alíquota máxima, garantida a prerrogativa de desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.
Isenções ao IPTU
Ainda é possível que determinado imóvel seja isento da tributação de IPTU pelo município em que localizado. Cada município determina suas próprias regras de isenção.
Em São Paulo, por exemplo, a isenção do IPTU é concedida de acordo com o valor venal para:
Outros exemplos de isenção do IPTU na capital paulista são[26]:
Já na capital fluminense, para fatos geradores ocorridos em 2023, são isentos do IPTU os imóveis edificados residenciais e não residenciais, além daqueles não edificados cujo valor venal não exceda[27]: R$74.471,00, R$ 32.498,00 e R$50.099,00, respectivamente. Nos termos do CTM/RJ, as faixas de isenção do valor venal são corrigidas anualmente pelo mesmo índice para atualização dos impostos municipais[28].
É fundamental consultar a legislação local para verificar se há e quais são eventuais outras hipóteses que autorizam a isenção, bem como os procedimentos para a comprovação da situação junto ao fisco municipal e manutenção da isenção.
Imunidades do IPTU
Quando falamos de imunidade tributária, tratamos de uma limitação do poder de tributar que é constitucionalmente imposta aos entes públicos. Assim, conforme podemos verificar no inciso VI do art. 150 da CF/88, são imunes do IPTU:
A respeito da imunidade sobre os imóveis de propriedade das instituições de assistência social sem fins lucrativos, importante conhecer também o teor da Súmula Vinculante nº 52 do STF que dispõe: “Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, “c”, da Constituição Federal, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado nas atividades para as quais tais entidades foram constituídas.”
Nessa mesma linha, temos a recente inclusão do §1º-A ao art. 156 da CF/88 promovida pela Emenda Constitucional nº 116 de 2022, para estabelecer que o IPTU não incide sobre templos de qualquer culto, ainda que sejam apenas locatários do bem imóvel.
Vinculação constitucional do produto da arrecadação municipal
A receita proveniente da arrecadação do IPTU é integralmente destinada ao caixa do Tesouro municipal, que a utilizará para atender as prioridades locais e cobrir as despesas decorrentes da administração pública.
Tais despesas são previamente definidas no plano orçamentário municipal e o montante arrecadado poderá ser aplicado na construção e manutenção de creches, escolas, postos de saúde, segurança pública e pagamento de salários de funcionários.
Nesse sentido, válido relembrar que a destinação da arrecadação ao caixa do Tesouro municipal não significa dizer que ela é vinculada a um determinado propósito específico, tal como a órgãos, fundos ou despesas. Isso porque a vinculação da arrecadação de impostos é vedada, nos termos do art. 167, inc. IV, da CF/88.
Aqui, é importante esclarecer que, embora não a haja a vinculação do IPTU determinada atividade, a CF/88 prevê a destinação de, no mínimo, 25% do recolhimento tributário municipal à educação e de 15% à saúde. Dessa forma, os setores mencionados concentram 40% da receita tributária do município.
STF e STJ – Precedentes e discussões sobre o IPTU
Ao longo dos anos tivemos importantes precedentes dos Tribunais Superiores acerca do IPTU. De outro lado, ainda restam discussões sobre a temática pendentes de julgamento. Podemos citar alguns exemplos:
STJ
STF