Fonte: Conjur
Autor: Alex Tajra
Um grupo de cerca de 40 desembargadores da Seção de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo assinou carta dirigida ao presidente da corte, Fernando Torres Garcia, pedindo a criação de duas novas câmaras empresariais e que os magistrados que compõem esses colegiados passem a julgar matérias oriundas da distribuição normal em suas respectivas câmaras de origem, ou seja, passem a analisar temas além das questões especializadas.
O documento vem na esteira de uma discussão no tribunal sobre a discrepância na distribuição de recursos aos desembargadores. Dados do próprio TJ-SP publicados no Diário Oficial mostram que, enquanto as Câmaras Reservadas de Direito Empresarial receberam 16.584 mil processos em 2023, somente à Subseção de Direito Privado II foram distribuídos 271.305 recursos. Ao todo, a Seção de Direito Privado da corte recebeu 651.560 processos no ano passado.
Em 2022, os dados foram semelhantes. Naquele ano, as Câmaras de Direito Empresarial julgaram cerca de 15 mil processos, enquanto somente a Subseção de Direito Privado I analisou quase 200 mil ações. O número total no Direito Privado chegou a quase 600 mil recursos distribuídos.
“A despeito das justificativas apresentadas para tal crescimento, o fato é que ocasionou uma desproporção injustificável com as demais seções e, sobretudo, em relação às Câmaras extraordinárias empresariais”, diz o documento. “Os números acima evidenciam flagrante desproporção na distribuição da atividade judiciante da DP II.”
Em condição reservada, uma fonte do tribunal afirmou que a ideia principal do pedido é desafogar a Seção de Direito Privado, e não acabar com a especialização. A nova sistemática faria com que a distribuição para a seção caísse entre 15% e 17%, segundo contas preliminares.
“Hoje, são dez desembargadores nas câmaras. Com a mudança, esse número saltaria para 20. A carga do empresarial vai cair pela metade, e, além deles julgarem empresarial, eles voltam a dar votos nas suas câmaras de origem. Isso vai ter um reflexo no DP1, no DP2 e no DP3, porque, como eles vão participar (dos julgamentos nas suas câmaras de origem), vai baixar a distribuição”, diz a fonte.
Os desembargadores que assinam o texto afirmam que a criação de mais duas câmaras especializadas seria “para minimizar os efeitos deletérios desta desproporcional distribuição e resgatar o equilíbrio na proporção da divisão racional dos trabalhos”.
Eles citam o caso da Câmara Extraordinária de Meio Ambiente como exemplo de um sistema em que os magistrados julgam casos especializados e também casos oriundos de suas varas de origem.
A distribuição pretendida, segundo o documento, seria de um processo especializado para cada processo que tenha origem na câmara original do magistrado, “salvo melhor juízo”.
Mudança em 2018
Há seis anos, na gestão do desembargador Pereira Calças, o tribunal mudou sua organização e passou a adotar exclusividade na competência dos desembargadores que integram as duas câmaras reservadas de Direito Empresarial.
À época, a ideia era aprofundar a especialização do tribunal, tida por parte da comunidade jurídica como positiva para a celeridade dos processos, tendo em vista que os magistrados são experts nas áreas.
O movimento, no entanto, gerou distorções, e as câmaras empresariais passaram a julgar número significativamente menor de recursos. O assunto voltou à tona a partir do início da gestão de Torres Garcia, que tomou posse no começo do ano.
Os números de 2022 e de 2023, que mostraram as discrepâncias nos volumes de recursos julgados pelas câmaras empresariais, fomentaram a discussão na magistratura e na advocacia.
Há quem defenda a criação de novas câmaras, como a carta assinada pelos desembargadores sugere. Mas também há quem queira que fique como está. Existe ainda um outro grupo que defende o fim desses colegiados empresariais.
No começo de abril, a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) e a Defensoria Pública do estado enviaram ofícios à presidência do Tribunal de Justiça de São Paulo para apoiar a criação de mais duas câmaras empresariais na corte. As duas instituições defenderam os mesmos argumentos: que há grande disparidade na distribuição de processos na Seção de Direito Privado do TJ-SP.
Na mesma semana, o presidente Torres Garcia publicou resolução que ampliou a competência das câmaras, jogando mais ingredientes no debate.
A resolução incluiu na competência dessas câmaras temas como franquias (Lei 8.955/1994); execuções em sociedades anônimas do futebol (SAFs); e ações que envolvem a Lei Ferrari.
Também serão incluídos no rol de competências das câmaras recursos sobre contratos de distribuição, agência e representação comercial.
Ao justificar a resolução, o presidente Torres Garcia afirmou que há um “baixo número de recursos que aportam às câmaras empresariais, em flagrante desproporção com as demais subseções”, e que cabe ao TJ-SP “adotar medidas necessárias ao atendimento do princípio da razoável duração do processo e equilíbrio entre os magistrados que as integram”.
À época da publicação da nova diretriz, a revista eletrônica Consultor Jurídico mostrou que a medida foi recebida positivamente, mas que há ressalvas em relação à abrangência dos colegiados, tendo em vista que tratam de temas específicos como Recuperação Judicial e Falência.
A discussão permaneceu intacta: de um lado, a especialização e a exclusividade; de outro, a ampliação das câmaras e das competências dos magistrados que as compõem.