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Desafios na coordenação da fiscalização e lavratura do auto de infração de IBS/CBS

Por: Andréa Duek, Rayanne Ribeiro Gomes, Pedro Nishioka
Fonte: Jota

Este artigo inaugura uma série contínua de textos que abordarão debates relacionados à fiscalização, cobrança e estruturação do processo administrativo do IBS no curso do PLP 108/2024, em trâmite no Senado. O objetivo geral dos textos estará na análise do processo administrativo do IBS e da CBS, com o intuito de promover o aprimoramento da regulamentação da reforma tributária, a partir da análise crítica dos pontos fortes e fracos do projeto, em contraponto com o cenário atual.

Vale lembrar que o contencioso administrativo do IBS, conforme previsto no PLP CAM108/2024, será composto por Câmaras de Julgamento de 1ª e 2ª instâncias e por uma Câmara Superior responsável pela uniformização da jurisprudência. Já o contencioso da CBS seguirá a estrutura federal vigente, com atuação das Delegacias de Julgamento da Receita Federal, do Carf e da Câmara Superior de Recursos Fiscais.

Dito isso, este texto abordará as disposições do PLP 108 relativas à fiscalização do IBS, com o objetivo de discutir eventuais desafios que podem surgir na coordenação do processo de fiscalização e de lavratura dos autos de infração.

No cenário atual, a atividade fiscalizatória tributária é comumente associada à efetividade da arrecadação estatal. Especificamente no que concerne à Receita Federal, sua atuação vai além desse objetivo, englobando o monitoramento de grandes contribuintes, a seleção de sujeitos passivos que serão fiscalizados, a promoção da conformidade tributária e a fiscalização interna e externa, por meio da revisão de declarações e da realização de auditorias. Esse ponto é fundamental para compreender os desafios que o modelo de IVA dual traz.

A adequada execução dessas atribuições pela Administração Tributária é condição essencial para a racionalização do sistema e para a redução dos litígios, uma vez que impactam de forma direta o contencioso administrativo atual. Por essa razão, devem ocupar posição central no processo de aperfeiçoamento do novo modelo de contencioso proposto no PLP 108.

Esse diagnóstico é corroborado pelos dados do Relatório Anual de Fiscalização 2023-2024, elaborado pela Receita Federal no ano de 2023, segundo o qual o crédito tributário constituído por lançamento de ofício totalizou R$ 225,54 bilhões. No entanto, até dezembro do mesmo ano, apenas 9,16% das autuações executadas foram pagas ou parceladas.

Dentre os valores que compõem o montante total do crédito tributário constituído por lançamento de ofício, merece destaque o expressivo montante decorrente de revisões de declarações feitas por contribuintes, sendo: (i) R$ 6.167.887,56, declarados por pessoas jurídicas; e (ii) R$ 3.643.940,254, por pessoas físicas.

Compõem, ainda, o contencioso tributário os créditos tributários espontaneamente constituídos por autodeclaração do contribuinte que, em valores arrecadados, ultrapassam os créditos constituídos por lançamento de ofício. O Balanço Anual de Atividades de 2023 aponta que a Receita Federal recepcionou, somente naquele ano, mais de 2,5 milhões de PER/DCOMPS com demonstrativo de crédito compensados com aproximadamente 249,71 bilhões em débitos. As mais de 39 mil auditorias realizadas para a revisão desses valores ensejaram um não reconhecimento de mais de 20 bilhões de reais em direito creditório.

Esses dados evidenciam que os desafios enfrentados no contencioso atual, no que se refere à fiscalização, não se limitam aos aspectos procedimentais da atividade fiscalizatória, mas alcançam diretamente o contribuinte e a expressiva formação de contencioso administrativo.

O PLP 108 apresenta um novo sistema de fiscalização tributária, tendo em vista que o IBS é um tributo de competência compartilhada entre os estados, o Distrito Federal e os municípios, cuja fiscalização ocorrerá de forma concomitante, nos termos do artigo 156-B da Constituição Federal. Some-se a isso o fato de o IBS compartilhar a materialidade com a CBS, o que enseja, por consequência, a atuação fiscalizatória conjunta e simultânea dos três níveis da federação sobre os mesmos fatos geradores.

Dada a fiscalização compartilhada do IBS, impõe-se a necessidade de coordenação entre os entes federativos para evitar conflitos e assegurar uniformidade. Para isso, o PLP 108 atribui ao Comitê Gestor do IBS (CG-IBS) a função de editar regulamento único, uniformizar a interpretação da legislação, harmonizar normas com a União quanto à CBS, compartilhar informações fiscais e coordenar a atividade fiscalizatória por meio da Diretoria de Fiscalização.

Ainda que o PLP 108 não disponha sobre a distribuição da titularidade da fiscalização entre os entes federativos, acerta ao delegar essa definição ao regulamento único do IBS (artigo 3º, § 2º), cuja elaboração, conforme o artigo 2º, I do avulso, ocorrerá de forma integrada e negociada entre os entes e o CG-IBS.

Há propostas em trâmite que destacam a importância da criação de um sistema unificado de fiscalização e contencioso administrativo, que facilite a aplicação das normas e promova a segurança jurídica. Nessa linha, a adoção de um regulamento único tem o potencial de reduzir conflitos que poderiam emergir no processo fiscalizatório. No entanto, para que o contribuinte tenha segurança jurídica, é necessário ir além da mera uniformização normativa.

As administrações tributárias de cada ente permanecem subordinadas às normas do respectivo processo administrativo tributário, as quais, por serem autônomas, frequentemente apresentam divergências entre si. A título de exemplo, a pesquisa qualitativa da Associação Brasileira de Jurimetria apontou que entre as legislações de processo administrativo tributário dos entes federativos existe uma convergência de apenas 66,7% dos elementos básicos do auto de infração, ao passo que existe uma convergência de 38,5% entre as hipóteses de vícios materiais e formais de autos de infração.

Nesse cenário de competência fiscalizatória compartilhada, impõe-se a uniformização dos elementos que compõem os autos de infração, a fim de prevenir inconsistências que possam comprometer a atuação conjunta e coordenada dos entes no exercício da atividade fiscalizatória.

Algumas propostas legislativas buscam mitigar os efeitos da ausência de uniformização entre as legislações subnacionais. A Emenda 93, por exemplo, propõe a vedação de auditorias concomitantes sobre um mesmo contribuinte, determinando que, havendo interesse de mais de um ente federativo, a fiscalização seja realizada de forma conjunta, com a lavratura de um único auto de infração.

Nesse sentido, a Emenda 88 estabelece diretrizes para a padronização de normas e procedimentos de auditoria, como a harmonização dos métodos de tratamento de dados fiscais, definição de critérios objetivos de fiscalização, gestão de riscos de conformidade, elaboração de manuais padronizados, intercâmbio de informações, capacitação de auditores e desenvolvimento de ferramentas tecnológicas integradas.

Outro ponto a ser destacado é a possibilidade de celebração de convênios entre as administrações tributárias dos entes federativos para a delegação recíproca das atividades de fiscalização e julgamento do contencioso administrativo do IBS e da CBS, em processos fiscais de pequeno valor, conforme previsto nos artigos 326, §ú e 327 da LC 214/2024.

No entanto, se a finalidade do dispositivo é assegurar a uniformidade na fiscalização, cabe questionar por que o legislador restringiu sua aplicação às causas de pequeno valor, sem adotar critério mais adequado para sua delimitação. Conforme o Relatório da Receita Federal de 2023, já mencionado, o valor médio dos créditos tributários constituídos de ofício por fiscalização foi de R$ 34.959.284. Os dados demonstram que, em média, os créditos constituídos de ofício na fiscalização são de valor vultuoso e não de pequeno valor.

Dessa forma, ao restringir a possibilidade de fiscalização conjunta apenas às causas de pequeno valor, limita-se o potencial da medida para aumentar a eficiência e uniformizar o tratamento de um número maior de contribuintes. Não se justifica, à luz do perfil dos créditos tributários constituídos de ofício, qual seria o prejuízo em estender a fiscalização conjunta também às causas de maior valor.

Este é apenas o primeiro capítulo de uma série de reflexões que se fazem necessárias para pensar e repensar os procedimentos e processos do novo contencioso administrativo dispostos no PLP 108. No próximo artigo, traremos discussão aprofundada sobre os desafios da cobrança conjunta do IBS e da CBS.


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