Fonte: Jota
Autora: Mirielle Carvalho
Especialistas em arbitragem internacional estão reunidos no Rio de Janeiro para debater sobre as crescentes complexidades das práticas internacionais arbitrais e como lidar com elas. Especialmente o cenário da arbitragem nos Estados Unidos, União Europeia e América Latina está em discussão na14ª edição da Conferencia Latinoamericana de Arbitraje (CLA) 2024, organizada pelo Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), que ocorre entre os dias 20 e 21 deste mês.
Gabrielle Kaufmann Kohler, presidente honorária do Conselho Internacional para Arbitragem Comercial (ICCA), abriu a CLA 2024 ressaltando a necessidade de se pensar no processo completo para que se possa chegar à redução de atrasos e custos. Com atuação de quatro décadas na arbitragem internacional, Kohler observou que, em algumas áreas, a América Latina foi mais relutante com a inclusão da arbitragem em seus processos. Porém, pontuou que, ao mesmo tempo, a prática da arbitragem tem crescido na região de forma sofisticada, ocasionando o surgimento de obstáculos que abalam sua eficiência.
Por isso, defendeu a transparência no processo arbitrário, bem como a assertividade dos Tribunais para que se reduza o tempo das audiências — assim como aceitá-las somente em casos em que haja a necessidade “clara e real” de sua realização. Em sua visão, com a adoção dessas medidas, o processo da arbitragem pode se tornar mais eficiente e atrativo aos seus usuários.
“Pensando a curto prazo, precisamos preservar o interesse dos atores da arbitragem. Precisamos considerar os seus riscos. Em outras palavras, a comunidade internacional de arbitragem tem que considerar e ter uma visão perceptiva do futuro e incentivar os atores de arbitragem a defenderem os interesses dos usuários”, concluiu Kohler.
Arbitragem e sanções econômicas internacionais
No primeiro painel da Conferência, os painelistas Yves Derains, diretor do Departamento Legal do Conselho Internacional de Arbitragem; Julie Bédard, head do Grupo de Litigância e Arbitragem Internacional para as Américas do Skadden; Diego Durán de la Vega, co-chair do grupo de Disputas da América Latina no Hughes Hubbard; Diego Gosis partner no GST LLP; e Maria Claudia Procopiak, expert internacional em arbitragem, debateram sobre as sanções econômicas internacionais no âmbito da arbitragem.
Durante sua fala, Bédard comentou sobre o papel dos Estados Unidos e da União Europeia como os principais impositores de sanções econômicas no cenário mundial. Em seu ponto de vista, as sanções noticiadas recentemente – como o caso da Rússia em relação à Ucrânia, o Irã, a Qatar Airways e a Venezuela, no cenário latino – foram decorrentes de eventos ”muito dramáticos” e que afetaram principalmente a população desses países. ”As pessoas deveriam refletir sobre isso. As sanções estão tendo alguma efetividade?”, indagou.
Para Durán de la Vega, as sanções podem acabar ocasionando uma espécie de desequilíbrio e desigualdade entres as partes, visto que sua aplicação não é igualitária. Além disso, comentou sobre o status ”leproso” em que o Estado ou instituição sancionados passam a ter após receberem as condenações. ”Além do risco de estar sujeito a sanções primárias ou secundárias, há a morte social que se ocorre quando se está sancionado. Existe uma desigualdade de ‘armas’, o que faz com que se existam contramedidas. As sanções são criadas para mudar o comportamento das partes, mas nem sempre muda da forma como era prevista”, destacou.
Já Maria Claudia Procopiak define que a prática excessiva de sanções pode tornar as causas arbitrárias inoperantes. ”Quando uma convenção de arbitragem se torna inoperável e sem ação? A nossa primeira reação é: isso não vai acontecer. Isso pode talvez não ser o caso, mas a verdadeira questão é que os níveis práticos podem chegar ao ponto de se negar a justiça”, comentou.
Impacto da crise política nacional e internacional na arbitragem
No painel da tarde, Cristián Conejero, Fernando Tupa, María del Carmen Tovar, Débora Visconte e Bernardo Wayar Caballero falaram sobre os impactos que o desenvolvimento de crises políticas nacionais e internacionais desencadeiam no campo da arbitragem.
Cristián Conejero, especialista em arbitragem internacional, fez um retrospecto histórico sobre a diplomacia e as evoluções democráticas percorridas durante os séculos XIX e XX. Além disso, comentou sobre o aumento do número de conflitos políticos, sobretudo na região da América Latina. Segundo ele, esses conflitos afetam as disputas – o que ele chama de fator subjacente –, a eficiência e a normativa da arbitragem.
Já Fernando Tupa, especialista em investimento e disputas comerciais complexas, explica que no contexto da arbitragem, os conflitos políticos podem trazer alguns obstáculos. O principal deles, segundo ele, é o surgimento de árbitros de nacionalidades que estão desenvolvendo alguma crise política interna – como o caso da Venezuela –, com os Tribunais podendo discutir a sua recusa por conta da nacionalidade que eles representam. Assim, cita que essa situação pode gerar sanções, do ponto de vista processual lógico, bem como ter um efeito inverso na arbitragem.
Em relação ao cenário brasileiro, Débora Visconte, presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem, observa que há uma falha de governabilidade no país, principalmente quando ocorre uma transição de governos de diferentes espectros políticos. Como exemplo, menciona o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) que, em seu ponto de vista, atacava a arbitragem. Hoje, ela analisa que a arbitragem no país, em relação ao Estado, “está indo em boa direção”.
”[No Brasil] a crise política, nesse aspecto da arbitragem, fica um pouco de lado. No país, a gente sempre teve muitos desafios, principalmente em relação ao arcabouço legal da arbitragem. Existem hoje 134 Projetos de Lei e 99 estão na Câmara dos Deputados”, mencionou. Visconte também teceu críticas ao PL 1289/ 2024, de autoria do deputado Tião Medeiros (PP-PR). Para ela, esse PL cria mais problemas que soluções à arbitragem, visto que as câmaras não estão equipadas para lidar com esse tipo de atividades.
Procedimentos administrados no Brasil
Na abertura da Conferência, Rodrigo Garcia da Fonseca, presidente do CAM-CCBC, ressaltou a importância da arbitragem no país e a necessidade de união com os demais países da América Latina. ‘’O Brasil quer e precisa estar mais unido aos seus vizinhos, trocando experiências e crescendo juntos’’, afirmou.
Uma pesquisa produzida e divulgada recentemente pelo CAM-CCBC registrou um aumento de 14% no número de novas ações administradas no ano de 2023. De acordo com relatório interno Facts & Figures, a instituição passou de 121 casos, em 2022, para 138 processos no ano passado. Com R$ 13 bilhões em arbitragens, o valor médio das ações subiu de cerca de 40%, foi de R$ 79,9 milhões para R$ 114,3 milhões.
De acordo com o relatório, houve uma maior presença de partes internacionais nos procedimentos administrados no Brasil. Em 2023, as ações do CAM-CCBC envolveram pelo menos 17 países diferentes, com maior participação da China, com 23% das partes, Portugal, 22%, Estados Unidos, 13%, e, Alemanha e Paraguai, ambos com 6,7%. Em contraste, no ano de 2022, as ações envolveram partes de 11 países, uma diferença de 57% em relação ao ano posterior.
* A reportagem viajou a convite do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC)